A Lei n.º 3/2023 prevê a dispensa da tentativa de conciliação em processos de divórcio sem consentimento
2023/02/03

A Lei n.º 3/2023, de 16 de Janeiro, vem na sequência de um aumento de casos de violência doméstica e de um procedimento que precisava de ser acautelado.

A Lei n.º 3/2003 teve em conta o sofrimento de uma vítima e o específico sofrimento que se sente aquando da confrontação com a pessoa cônjuge agressora em processo de divórcio sem consentimento.

Neste artigo, vamos analisar o que a Lei n.º 3/2023 trouxe de novo e como a Lei n.º 3/2023 salvaguardou de forma mais assertiva os direitos das Vítimas numa situação especialmente delicada e desgastante por si só – o divórcio sem consentimento.

 

Antes de mais, o que é considerado Violência Doméstica?

 

De acordo com a APAV – Apoio à Vítima, “violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das Partes, sobretudo para controlar a outra. As pessoas envolvidas podem ser casadas ou não, ser do mesmo sexo ou não, viver juntas, separadas ou namorar. Todos podemos ser vítimas de violência doméstica. As vítimas podem ser ricas ou pobres, de qualquer idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação sexual, formação ou estado civil”.

Até 2007, não existia o crime de violência doméstica – era encoberto como “maus tratos”.

A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) dispõe dos seguintes dados estatísticos:

 

Dados estatísticos da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género sobre ocorrências participadas
Fonte: Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género

 

Com base nos dados sobre crimes de violência doméstica durante o terceiro trimestre de 2022, ou seja, entre Julho e Setembro :

  • 1577 pessoas são vítimas de violência doméstica

1. 54,1% mulheres;
2. 44,8% crianças;
3. 1,0% homens.

  • 502 vítimas transportadas;
  • aplicadas 4314 medidas de proteção por teleassistência;
  • 8887 ocorrências participadas à PSP e GNR;
  • aplicadas 989 medidas de coação;
  • 3055 pessoas integraram programas para agressores(as);
  • 4 vítimas de homicídio por violência doméstica – de Janeiro de 2022 a Setembro de 2022 registaram-se 21 vítimas de homicídio – 20 mulheres e 1 criança.

 

O que prevê a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro?

 

A Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro prevê a dispensa da tentativa de conciliação em processos de divórcio sem consentimento:

  • nos casos em que um(a) dos(as) cônjuges é Arguido(a) em processo de violência doméstica
    ou
  • nos casos em que um(a) dos(as) cônjuges tenha sido condenado(a) pela prática de crime de violência doméstica contra o(a) cônjuge requerente do divórcio.

Assim, quem pedir o divórcio, tendo sido a vítima no processo de violência doméstica, pode agora, segundo a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, prescindir da tentativa de conciliação que obrigava a que os cônjuges se vissem e falassem perante o Tribunal, debatendo as questões do casamento e os motivos da separação, visando um acordo e evitando a fase de julgamento.

Na origem da Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro foi considerado o elevado e crescente número de vítimas de violência doméstica em Portugal.

Numa das bases que deu origem à Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro lê-se:

“A violência doméstica é um crime com milhares de vítimas em Portugal que envolve, na sua essência, uma assimetria de poder entre o agressor e a vítima, concretizada não só na violência física, mas também psicológica, económica ou sexual. É um flagelo que, apesar de muitas tentativas, tem sido particularmente difícil de eliminar da sociedade portuguesa”.

Apesar de existirem mais denúncias por parte de vítimas mulheres, existem também agressoras e, por isso, desde já se salienta, que “o agressor”, mencionado na Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, pode igualmente ser “a agressora” – quando é que a pessoa legisladora começa a utilizar linguagem inclusiva?

Ainda, assim, a Lei n.º 3/2023 levanta o véu do tabu do homem vítima.

 

O que é um divórcio sem consentimento?

 

O divórcio tem dois caminhos:

    • divórcio por mútuo consentimento – requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, numa Conservatória do Registo Civil, ou em Tribunal caso exista algum ponto de desacordo – não aplicável a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro;

 

  • divórcio sem consentimento – requerido por um(a) cônjuge em Tribunal contra o(a) outro(a) cônjuge, sendo necessário o preenchimento de determinados fundamentos não cumulativos:

1. separação de facto por um ano consecutivo;
2. alteração das faculdades mentais do(a) outro(a) cônjuge, por mais de um ano, e cuja gravidade compromete a possibilidade de vida em comum;
3. ausência, sem notícias, por tempo não inferior a um ano;
4. outros factos que, independentemente da culpa dos(as) cônjuges, mostrem ruptura definitiva do casamento.

Esta última modalidade, do divórcio sem consentimento, é à qual a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro pode ser aplicada.

 

O que é a tentativa de conciliação?

 

É um mecanismo utilizado por forma a garantir que as pessoas casadas não têm qualquer dúvida na pretensão de divórcio e descortinar se é possível uma conciliação.

A Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, pretende que as vítimas não tenham de encarar as pessoas agressoras, inclusive porque estas podem estar em um de duas situações, descritas pela APAV – Apoio à Vítima:

    1. aumento de tensão” – a pessoa agressora sente que é um ataque a propositura da acção de divórcio e, por isso, atacará a vítima, o que provoca, psicologicamente, uma instabilidade e que a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro pretende eliminar; ou

 

  1. fase “lua de mel” – onde a pessoa agressora dirá tudo o que é suposto a vítima ouvir e fazê-la sentir-se bem, por norma “desculpa”, “não volta a acontecer”, o que pode causar, igualmente, instabilidade na vítima, que já sofreu e tem mais um mecanismo que a obriga a sofrer. A Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro pretende que as vítimas não tenham que passar por mais uma das fases deste ciclo vicioso a que chamamos violência doméstica.

 

Vejamos a evolução que culminou com a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro.

    • 1966 é publicada a primeira versão do Código Civil cujo artigo da Reconciliação diz “a partir da reconciliação, os cônjuges consideram-se casados segundo o regime da separação de bens, passando, porém, os bens dotais a ser administrados pela mulher”;

 

    • 1977 é publicada a sétima versão do Código Civil e prevê apenas a existência de uma tentativa de conciliação e a pretensão da Magistratura em que se alcance um acordo favorável às duas Partes;

 

  • 2023 é acrescentado ao Código Civil a dispensa da tentativa de conciliação em caso de divórcio sem consentimento, nos casos anteriormente mencionados – arguido(a) ou condenado(a) pela prática do crime de violência doméstica, conforme Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro.

 

Foram necessários 57 anos.

 

Outras medidas

 

Durante o ano de 2020, apesar das aparências com menos vítimas, há que lembrar e considerar que as vítimas residiam com as pessoas agressoras, impedindo/dificultando qualquer denúncia.

Com os confinamentos existentes desde 2020, muitas foram as vítimas que passaram mais tempo com as pessoas agressoras, sem formas de pedir auxílio.

Também em 2020, é alterado o Regime Jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas, ao permitir, entre outras medidas, que possam requerer que a sua morada seja ocultada nas notificações das autoridades competentes que tenham os(as) suspeitos(as) ou arguidos(as) como destinatários(as).

Concatenando com a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, é clara a intenção das pessoas legisladoras em assegurar a protecção e os direitos das vítimas.

Ao ser publicada a Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, recordemos várias medidas que tentam ser implementadas e nem sempre ocorre da melhor forma.

Relembremos a medida “máscara-19” que tinha como objectivo auxiliar as vítimas. O plano era chegarem a um serviço e pedirem ajuda sem que as pessoas agressoras reparassem no pedido. Em Portugal, a medida não avançou de forma oficial, primeiro porque as pessoas farmacêuticas não tinham formação para auxiliar as vítimas e, segundo, porque os próprios agressores conheciam o código. Mas no Brasil, com a medida “sinal vermelho” e noutros países, nomeadamente França e Espanha, várias foram as vítimas auxiliadas. As bases deste parágrafo podem ser relembradas com a leitura de “Máscara-19”: uma campanha para ajudar vítimas de violência doméstica que não está (nem esteve) a funcionar e Quarentena. “Máscara-19”, ou a irresponsabilidade das “boas acções”.

 

A Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro é uma evolução para uma sociedade com tantas vítimas de violência doméstica. Esta Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro começa o ano com mais atenção e cuidado com as vítimas.

 

Como podemos ajudar?

 

Caso seja ou tenha sido vítima de violência doméstica, e pretenda avançar com o processo de divórcio, à luz da Lei n.º 3/2023, 16 de Janeiro, contacte-nos para mais informações.

Se tiver conhecimento de vítimas de violência doméstica e quiser ajudar mas não sabe como, contacte-nos. Queremos ajudar.

 

 

Teresa Martins Lança | [email protected]

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